Era uma manhã ensolarada e a paciente não parava de falar, emendando um assunto no outro, ansiosa. Num instante de distração percebo um beija-flor batendo contra uma janela espelhada do prédio em frente. Ele batia e caía, batia de novo. Fui ficando angustiada, ele parecia determinado e ignorava o perigo e a dor.
Volto a escutar minha paciente contando seu padrão de relacionamento com homens que não a respeitam, apesar de “serem boas pessoas”. Esse último namorado parecia incrível só que a rebaixava, tinha crises de ciúme, apertou seu braço deixando marcas algumas vezes e ela continuava tentando pois afinal de contas o amava.
Quantas vezes batemos contra a vidraça, enganados pelas ilusões, pelas miragens que a vida nos fornece? Quantas vezes nos arrebentamos enganados pelas projeções e parece que persistimos até sangrar?
Não somos pássaros e podemos ser livres nas nossas escolhas. Mesmo assim ficamos presos a relacionamentos ruins, empregos que nos sufocam, amizades superficiais. Um céu espelhado é muito pouco perto da imensidão que nos aguarda. Entretanto, é preciso abandonar as crenças distorcidas, a teimosia e simplesmente mudar a rota.
Finalmente o beija-flor tomou outro rumo. Minha paciente, por outro lado, continua insistindo e se machucando. Milhares de pássaros morrem enganados pelas janelas dos prédios. Milhares de mulheres morrem enganadas por homens que prometem o céu mas são apenas vidros cortantes. Torço para que todos, humanos e pássaros, aprendam logo a diferença e fiquem seguros e livres.