A ruiva incolor
Era bonita, cabelos vermelhos, alta, mas um olhar bem triste. Notei uma tatuagem de golfinho no pulso. Só a encontrei duas vezes. Tinha um jeito delicado, mas adornada por aquela sombra. Sorria pálido.
Brigava muito com a mãe, se sentia sozinha. Não, ninguém a entendia. A sensação de não
pertencer àquele ambiente, de não fazer parte, era evidente. Não aguentava mais. Falava
pouco.
Um dia ela sumiu, foi para a América. Talvez quisesse fugir de tudo, sair do inferno familiar.
Viajou sozinha, mas os conflitos a acompanharam, causando excesso de bagagem numa
viagem que deveria ter sido leve. Parou o tratamento.
Depois veio a notícia: saiu voando feito passarinho. Décimo terceiro andar. Ela não sabia que sombra a gente carrega grudada no corpo até o dia em que consegue iluminar o escuro que vem de dentro. Partiu sem bilhete nem despedida. E nunca mais vi golfinhos na sala de espera.
Cecília Attux
Brilhante a forma como conta tão triste episodio, retiro da leitura: “ninguém escutou a escuridão que a habitava”.
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